Ligamentoplastia do Cruzado Anterior - Rápido significa melhor?

LIGAMENTOPLASTIA DO CRUZADO ANTERIOR

Rápido significa melhor?

Uma abordagem desde a reabilitação até à performance (Parte 1)


O desenvolvimento tecnológico e científico, tem vindo a mudar a nossa percepção e expectativas relativamente à prestação de serviços, e a saúde não é excepção. Na era da internet, em que o conhecimento é obtido instantaneamente através de um click num smartphone, exigem-se cada vez mais resultados igualmente rápidos e simultaneamente satisfatórios, levando a sociedade a um esforço inglório de tentar corresponder a esses apetites vorazes, de diversas gerações que pretendem adaptar-se, de igual forma, a esta nova era tecnológica.

Resultado de imagem para health and technology

A área de reabilitação não foge a esse contexto. A massificação do desporto a nível mundial, com a disseminação de gurus através das redes sociais, mais a massificação de ginásios equipados com instrumentos tecnologicamente avançados para avaliação e treino, tornou imperativo a necessidade de fazer uma reabilitação segura, eficaz mas sobretudo em tempos recordes. Mas seremos nós capazes de proporcionar essa experiência?
Hoje pegamos no fenómeno das Ligamentoplastias e da Lesão do Ligamento Cruzado Anterior para levantar-mos um pouco do véu e descobrir a verdade: Rápido significa melhor?

Resultado de imagem para derlei liga dos campeoes

Penso que não haverá um único profissional na área da reabilitação músculo-esquelética e desportiva que tenha intervido em ligamentoplastias do cruzado anterior e não tenha escutado a mítica história de Derlei e a sua recuperação "milagrosa" a uma, em 4 meses. 

Diagnosticado com uma Ruptura do Ligamento Cruzado Anterior do joelho a 22 de Dezembro de 2003, Derlei retorna à competição em 25 de Abril de 2004, mesmo a tempo de actuar na Final da Liga dos Campeões desse mesmo ano, onde ajudou o FC Porto à conquista do mais ambicionado troféu de clubes do mundo com uma assistência para o terceiro golo, apontado por Alenichev.

Após a conquista do troféu Derlei viria a abandonar o plantel do FC Porto em Janeiro de 2005, no resultado de uma transferência para o Dínamo de Moscovo da Rússia no valor de 7,5M €. Na altura tinha 30 anos de idade.

Inquestionavelmente estes resultados validam este tipo de intervenções rápidas e deveriam ser um exemplo para todos os departamentos médicos do mundo do futebol e clínicos da área da reabilitação de como fazer uma fantástica recuperação de uma lesão. Será?



Na imagem acima temos o histórico do rendimento desportivo do atleta referido durante o período que actuou no FC Porto (pré-lesivo + pós-lesivo) e nos clubes onde actuou em seguida após a sua recuperação: Dínamo Moscovo, Sporting CP, SL Benfica e o EC Vitória. Quem olhar para o role de clubes que fazem parte do currículo deste atleta ficaria convencido do seu sucesso após o episódio lesivo, mas quando olhamos para alguns dos seus indicadores a nível de rendimento vemos que a história não é bem essa... Um decréscimo constante em praticamente todos os indicadores: cada vez menos minutos jogados, cada vez menos golos.

Contudo esta poderá ter sido apenas uma consequência da sua longevidade e não uma relação de causalidade com a sua lesão (relembro que actuou no Sporting CP até aos 34 anos). Nesse caso estes indicadores merecem uma comparação com alguns dos seus avançados contemporâneos.




Para este objectivo foram selecionados 3 atletas com caracterísitcas, idades e funções em campo similares mas patamares competitivos diferentes (internacionais e domésticos). O objectivo será comparar indicadores de performance genéricos entre os 30 e 34 anos de idade.

  • Derlei - somou 98 jogos, 7081 minutos de jogo, 33 golos e 8 assistências ao serviço de Dínamo de Moscovo, SL Benfica e Sporting CP

  • Crespo (jogador de reputação mais elevada, competição a nível internacional) - somou 188 jogos, 11015 minutos de jogo, 70 golos e 11 assistências ao serviço do Chelsea FC e Inter de Milão

  • Tomasson (jogador de reputação similar, competição a nível internacional) - somou 105 jogos, 6708 minutos, 36 golos e 9 assistências ao serviço de VFB Estugarda, FC Villareal e Feyenoord

  • João Tomás (jogador de competição similar a nível doméstico) - somou 150 jogos, 11840 minutos, 68 golos e 5 assistências ao serviço do SC Braga, Boavista FC e Rio Ave FC

Do ponto de vista estatístico chega-se a conclusão que de todos os atletas Derlei foi o que actuou em menos jogos e que apontou menos golos. Supera no capítulo das assistências João Tomás e nos minutos somados Tomasson que se retirou com 34 anos da competição. Relembro nesta fase que estamos a comparar alguém que sofreu uma ligamentoplastia com atletas sem o mesmo historial. Portanto, "so far, so good", não aparenta ter acontecido nenhum descalabro a nível de rendimento.

Contudo atentem no número de minutos jogados... Derlei e Tomasson apresentam maiores similaridades, havendo uma clara discrepância quando comparados com Crespo e João Tomás que se encontram em extremos competitivos. Porque será que isso ocorre?

Resultado de imagem para less injuries better longevity


Basta apenas uma pequena pesquisa nas notícias durante esses 4 anos relativamente historial de lesões destes jogadores para chegarmos a uma conclusão. O número de visitas ao departamento médico de Tomasson e Derlei foi bastante superior ao de João Tomás e Crespo, o que levou a uma menor participação na sua actividade desportiva.

A longevidade das suas carreiras também acabou afetada tendo Derlei e Tomasson terminado as suas carreiras aos 35 e 34 anos respectivamente, enquanto que João Tomás e Crespo terminaram aos 38 e 37 anos com níveis de rendimento superiores dos anteriores.


Contudo isto leva-nos à nossa última questão deste presente artigo. Tomasson e Derlei têm estatísticas similares, sendo que apenas um deles vinha de uma recuperação pós-ligamentoplastia... Portanto onde entra a lesão do LCA nisto tudo e a sua reabilitação? Let's ask science



Este artigo que pretende ser uma guideline sustentada em estudos de revisão, chegou a uma curiosa conclusão: "The reinjury rate was significantly reduced by 51 % for each month RTS was delayed until 9 months after surgery, after which no further risk reduction was observed."

Traduzindo: por cada mês que atrasarmos o regresso ao campo, até aos 9 meses, o risco de lesão é reduzido em 51%. Isso pode significar, a longo prazo, o aumento da longevidade da carreira nos nossos atletas. 

Em suma, uma recuperação acelerada pode aumentar o risco de lesões no futuro que por consequência pode diminuir o nível de participação na actividade e a longevidade das suas carreiras sem forçosamente afectar o rendimento no tempo disponível de actividade, isto é, mesmo com um enorme historial de lesões o atleta pode obter altos níveis de rendimento quando participa na actividade, para os mais familiarizados no desporto basta lembrar os casos de Ronaldo Nazário de Lima ou até de Pedro Mantorras, no Benfica.

Este artigo não pretende de todo escrutinar se a decisão é certa ou errada de se ter optado por acelerar a recuperação numa ligamentoplastia, pretende sim saber o que é melhor do ponto de vista clínico. Até porque se vocês todos pudessem ser o Derlei naquele momento talvez também arriscariam optar por perder um pouco da longevidade da vossa carreira para terem a opurtunidade de jogar e vencer uma final da Liga dos Campões. Esta decisão do corpo clínicio do FC Porto portanto não carece de Evidenced Based Practice.

Evidenced Based Practice não é só ciência, os valores e crenças do utente têm de ser valorizados e inseridos no seu contexto socio-cultural e ambiental e tendo em conta as suas características individuais. A verdade é que Derlei jogou a final, teve um rendimento bastante aceitável nesse jogo, assim como pelas passagens pelo Dínamo de Moscovo e Sporting CP. Agora isto, por si só, não garante a replicabilidade do mesmo protocolo. Portanto avaliem e mensurem o atelta e intervenham com príncipios e metodologias baseadas na ciência para que depois não ocorram azares...


Nem todas as histórias têm um final feliz...

Espero que tenham gostado do artigo! Saudações Terapêuticas,

Bernardo Pinto




Comentários