Quantos utentes tenho de ver por hora? - Volume vs Valor: a realidade do serviço convencionado


Quantos utentes tenho de ver por hora?

Produtividade vs Qualidade: a realidade do serviço convencionado (case report)


A minha carreira tem sido constituída por uma enorme variabilidade de experiências, que me permitiram, até à data, ter um espectro mais alargado das diferentes realidades da fisioterapia. Uma das realidades que maior interesse me despertou foi a do serviço convencionado em Fisioterapia. Comummente designada como "Medicina Física e Reabilitação", o serviço convencionado tende a provocar calafrios a toda a comunidade de fisioterapia como se tratasse automaticamente de um sinónimo de falta de qualidade baseado na directriz da massificação do "Chapa 5" - Calor, Ultra-Som, Mobilização, Massagem e Electroterapia.

Resultado de imagem para boxes de fisioterapia


No ano de 2014,  tive a oportunidade de trabalhar enquanto fisioterapeuta dentro deste tipo de unidade, onde era-me exigido um nível de produção absurdo que chegava muitas vezes ao atendimento de 4-5 pacientes por hora, permitindo-me cerca de 10 minutos de intervenção individualizada entre casos neurológicos, pós-operatórios e músculo-esqueléticos. A justificação para este tipo de realidade, em que o Volume se sobrepunha ao Valor, era sempre a mesma - "Se queremos manter as portas abertas, temos de ver o máximo de número de utentes por hora, pois os valores que nos pagam não nos permitem mais".

Essa realidade inegável e destino inevitável eram difíceis de compreender para um jovem fisioterapeuta que não se resignava à conformidade mas, não conhecendo a realidade, tinha de acreditar na boa fé de quem me pagava o salário. Contudo, esta conjunção de factores, iria invariavelmente levar-me a procurar outro destino para desenvolver as minhas competências profissionais - a prática privada.

Resultado de imagem para too many patients cartoon

Passaram-se dois anos enquanto Coordenador de um Gabinete de Fisioterapia e o destino viria-me a devolver a realidade da prática convencionada, mas desta vez enquanto coordenador. Finalmente teria a oportunidade de desvendar a realidade da prática convencionada do ponto de vista do investidor.

O ponto de partida passava inicialmente por conhecer realidade da prática convencionada, neste unidade específica, assim como as ideias, valores e crenças de quem trabalhava em volta deste sistema.

Infelizmente a prática não diferia em muito daquele que era o terror que nós todos afiguramos nestas realidades, contudo, descobri que nenhum dos profissionais (médicos, fisioterapeutas e auxiliares de fisioterapia) estavam satisfeitos dentro do modelo que vigorava.

Fazendo uma retrospectiva dos 4 meses em que se desenvolveu este trabalho, penso que muito da base deste sucesso adveio de não se ter incentivado uma procura por culpados, mas sim no porquê deste paradigma ser uma consequência de outros factores, que podiam ter toda a sua legitimidade. Corrigi-los poderia ser a fundação base para permitir que todos estes profissionais se unissem debaixo da mesma bandeira. Esta mudança jamais aconteceria sem um esforço colectivo. Sinto, honestamente, que este sucesso é tão meu como de toda a equipa que me rodeia e rodeou durante estes 4 meses e sem os quais estaria destinado a um inevitável fracasso.

Assim sendo, os ingredientes estavam reunidos para se poder desvendar a grande verdade: é necessário altos níveis de produtividade para manter a sustentabilidade deste tipo de negócios? A qualidade não encontra o seu valor no convencionado? - para responder a estas questões propus alterar o modelo, baseando-me nas minhas "crenças e intuições" assim como no conhecimento obtido através da leitura de alguns pareceres da American Physiohterapy Association.

Imagem relacionada


Aproveitei então esta oportunidade para pôr à prova aquilo que já me parecia bem sustentado pela evidência que lia: reduzir o volume e aumentar a qualidade de forma a garantir a sustentabilidade (ou maior rendimento). Para atingir esse objectivo, transformei o modus operandi da clínica alterando o número de utentes atendidos por hora dos tradicionais 4 para apenas 2. O ponto chave para atingir tão delicado equilíbrio, passava essencialmente por duas ferramentas terapêuticas: exercício e educação. Qual a importância que estas podem ter para o convencionado? Resumo isso a uma palavra: Autonomia

Imagem relacionada


Autonomia

É um termo que define a independência, liberdade e auto-suficiência de um indivíduo. Contudo na saúde temos de ter cuidado com este tipo de definição para não sermos tentados ao extremismo.

A autonomia em Saúde não significa defender a autodeterminação dos nossos utentes, mas, muito pelo contrário, a construção de relações com profissionais de saúde, outros utentes e com o seu suporte familiar/social, de modo a estabelecer relações "saudáveis" de dependência. Sim isso mesmo, estabelecer uma relação de autonomia passa por criar também relações de dependência sendo essencial educar os nossos utentes a saberem quando devem de utilizar essas mesmas redes, evitando sempre visões autoritárias e paternalistas durante o processo terapêutico. Não faria sentido ser de outra forma dado que em sociedade estamos cansados de saber que ninguém atinge nada sozinho.

Assim sendo, o correto equilíbrio desta rede, permitir-nos-á garantir níveis de eficiência satisfatórios através de diferentes indicadores:

  • Poupança de tempo - Ao prescrever um plano de exercícios, devemos garantir inicialmente que este é personalizado e adequado para o nosso utente. De seguida é fundamental educá-lo a executar o mesmo de forma adequada. Estes dois passos garantir-lhe-ão uma maior autonomia e menor necessidade de supervisão da nossa parte, o que levará a uma significativa poupança de tempo. No entanto, é importante, garantir que estes tenham consciência de quais os sinais e sintomas sob os quais se devem guiar durante a execução de um exercício, de maneira a terem uma correta percepção da exequibilidade do mesmo.
Resultado de imagem para time saving
  • Aumento da taxa de altas efectuadas em fisioterapia - O facto de terem sido educados a executarem um plano de exercícios com pouca supervisão em contexto clínico, permite-lhes transferir esse conhecimento para o seu contexto ambiental. Esse factor permitirá uma melhor resolução do problema num menor número médio de sessões, o que significará um aumento das altas atribuídas em fisioterapia

  • Maior nº de Utentes - Sim, por incrível que pareça com uma taxa reduzida de utentes por hora podem atender mais utentes durante um mês, trimestre ou ano do que se sobrecarregarem os vossos fisioterapeutas. Porquê? Resolução de problemas com menor número médio de sessões significa maior entrada de utentes, sobretudo utentes de valor acrescido que reconhecerão a qualidade dos serviços prestados.


  • Maior Nível de Satisfação de Clientes - O facto de o vosso trabalho se focar na capacitação e empoderamento dos vossos utentes, através da prescrição de planos personalizados e individualizados, permitirá aos vossos utentes consciencializarem-se que, muitas das vezes, uma rápida e segura resolução do problema, dependerá também do trabalho que eles efectuarem. Isto fará com que os mesmos projectem um imagem de que o fisioterapeuta serve como uma espécie de guia e que o funcionamento desta relação estará dependente de um intercâmbio de afecto, carinho, lealdade e satisfação dos vossos utentes. O serviço convencionado peca por ser muito uniforme e homogéneo portanto aproveitem esta ferramenta para fazerem os vossos utentes sentir que apesar de terem apenas 20/30 minutos disponíveis para os atender individualmente, que não perderam a noção de que eles são únicos na vossa perspectiva clínica, biológica e social.
  • Maior rentabilidade - Tendo em conta todos os tópicos anteriores já apresentados parece óbvio que esta deverá ser uma consequência natural. No entanto, deixem-me simplificar ainda mais este tópico através de uma fórmula aritmética simples.
Poupança de Tempo + Nº Utentes Elevado + Clientes Satisfeitos = + Dinheiro. 

Imagem relacionada

Em suma, se trabalham em convencionado, são coordenadores de fisioterapia num serviço convencionado ou conhecem alguém que o faça, lembrem-se que o contexto não pode ser uma desculpa para uma prestação de serviços de  fraca qualidade. 

O que esta experiência prova é que é possível cuidarmos e tratarmos dos nossos utentes em serviço convencionado, com qualidade e com tempo sem perder rentabilidade e que nós fisioterapeutas não devemos temer este monstro nem os profissionais que trabalham no mesmo como sendo um poço impeditivo da progressão das nossas carreiras.

Até ao próximo artigo.

Saudações Terapêuticas,

Bernardo Pinto

Comentários