Tiraste a dor e então? - Uma reflexão sobre o caso de sucesso em fisioterapia

Num mercado cada vez mais amplo, mais diversificado e mais competitivo é notória a explosão e expansão da fisioterapia nestes últimos 10 anos em Portugal. Esse crescimento, acompanhado pela evolução tecnológica e a expansão das redes sociais, trouxe uma necessidade e consequente maior procura pela oferta formativa e pela progressão na carreira académica

Influenciados pelas inúmeras histórias de sucesso, de inúmeros fisioterapeutas, clínicas e instituições foi-nos despertados o desejo de atingir um determinado status aos olhos dos nossos clientes, dos nossos pares e da comunidade médica em geral, o do fisioterapeuta bem-sucedido.

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Esta definição de sucesso não é clara, pois não tem um cariz linear, muito pelo contrário, apresenta uma dimensão transversal dependente de uma percepção, quer intrínseca, quer extrínseca condicionada pelos nossos valores, crenças, nível de formação e contexto.

Para a minha geração, que enfrentou o mercado de trabalho num cenário nacional pós-crise, o sucesso era apenas encontrar um emprego. Hoje em dia vemos uma geração mais ávida e pro-activa que pretende marcar rapidamente a sua presença na comunidade contribuindo para uma partilha expansiva de conhecimento e experiências, sem medo de opinar e de participar num debate alargado. Contudo há um factor que é comum a todas as gerações, todos queremos ser o melhor fisioterapeuta que podermos ser.

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Na óptica de um mercado que instiga a concorrência, todos tentamos demonstrar as suas valências: o que trata mais rápido, o que trata diferente, o que tem mais aparelhos para tratar, o que cultiva uma filosofia diferente, o que pratica num contexto e ambiente diferente, são tantas e tantas opções que fica difícil para um fisioterapeuta compreender, quanto mais para o cliente escolher.

Dentro desta multitude de questões, vamos tentar aprofundar uma simples e tentar perceber se há respostas ou não para a mesma: afinal o que define um caso de sucesso em fisioterapia?

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Uma das grandes vantagens da progressão científica e tecnológica tem sido a disponibilização de cada vez mais ferramentas fiáveis e diferenciadas que nos permitem ter métricas e dados diversos sobre a progressão dos nossos utentes, permitindo abordagens de intervenção cada vez mais multifacetadas, que nos levam a compreender a multifactoriedade das condições clínicas dos nossos utentes/clientes.

Tendo em conta este cenário muitas vezes sinto-me desapontado com a promoção feita por alguns profissionais à (percepcionada) célere resolução de problemas e ouvir alguém se gabar " tirei-lhe a dor em 3 dias!". E então? 

Se tirar a dor for algo que distingue ou não o nosso sucesso então vamos-nos equiparar ao endireita da "terrinha", ao bruxo da aldeia, ao padre da paróquia, pois garanto-vos que até eles, sem conhecimento algum, já tiraram dores em 3 ou menos dias. Para perceberem o quão irrelevante pode ser o fenómeno "retirei a dor em pouco tempo" experimentem pesquisar sobre termos familiares no Google e vejam que tipo de informação serão bombardeados.

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Pode parecer banal (e é) o que vos estou a transmitir, mas já viram quantas clínicas baseiam a sua promoção nos resultados rápidos? Será que era isso que deveríamos promover?

Atenção que não vejo nisto, uma má intenção ou incompetência de quem faz este tipo de promoção (até eu já caí na mesma tentação), mas sim uma consequência de nos converter-mos às necessidades do mercado e das expectativas das pessoas, e a meu ver erradamente, porque no final saímos sempre a perder.

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O que dizer então da continuidade dos nossos cuidados? Quantos destes casos fazemos efectivamente um follow-up? Em quantos destes casos, nos quais arduamente e afincadamente trabalhámos, monitorizamos os seus scores 12 semanas, 24 semanas ou 1 ano após a nossa intervenção?

Quantos destes casos voltaram a consumir os vossos produtos? Quantos referenciaram familiares para voltar à nossa clínica? Será que voltariam a consumir os nossos serviços? Porque não?

Estas questões relativas à nossa intervenção ainda parecem merecer pouca reflexão na nossa comunidade. Esta realidade revela uma certa ironia, dado sermos por excelência um profissional que se destaca pela continuidade no processo clínico e pela garantia da funcionalidade e participação social. Em suma, somos responsáveis por cuidados que promovam a funcionalidade ao longo do ciclo de vida

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É neste paradigma que compreendemos que os conceitos que outrora nos pareciam básicos e elementares (como o CIF ou o modelo bio-psico-social) não se encontram assim tão bem integrados na nossa classe profissional.

Querem ser bem sucedidos? Então meçam o alcance da vossa intervenção no tempo, e tentei atingir os vossos outcomes (sejam eles a dor, funcionalidade o outra) continuamente ao longo do tempo. Acreditem que até vos conseguirá fidelizar junto dos vossos utentes.
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Acredito firmemente que é no follow-up que está o ganho. É nesta preocupação de pegarmos no telefone e ligarmos aos nossos utentes (seja qual for o tempo que vocês definirem) após a nossa intervenção, que poderemos demonstrar o espectro de continuidade da nossa prática e o nosso valor.

É neste acto de responsabilização e fidelização aos cuidados dos nossos utentes que porventura estará o papel social diferenciador do fisioterapeuta relativamente aos outros prestadores de saúde, a possibilidade de nos podermos tornar guias e educadores de excelência para os nossos utentes e de lhes promover a rede de suporte e segurança que lhes permitirá obter a tão desejada autonomia.

Agora imaginem se a comunidade de fisioterapia conseguisse juntar todos estes dados ao final de um ano? Qual o impacto que isto teria na sociedade, na economia ou até na política? Talvez um dia cheguemos lá e possamos desvendar estas respostas, certamente estamos mais perto hoje do que antes.

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Saudações Terapêuticas,

Bernardo Pinto

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